segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Odes Marítimas de Júlio Pomar e Fernando Pessoa- no Museu Marítimo de Ílhavo


"...Não haverá um único museu do mar que não aspire a compor odes marítimas.
Fazer do mar um sujeito poético e artístico em permanente reinvenção, escrever e pintar os universos marítimos no precário equilíbrio entre um interior imaginado e um exterior tão realista quanto cruel, são formas nobres de abrigar a criação no reduto frio de um museu.
Em Junho de 1915, Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa, publicava a Ode Marítima na Orpheu. No ano anterior, a primeira revista do futurismo português já dera a conhecer a Ode Triunfal, texto menos soturno, em cujas estrofes perpassa mais claridade.
Na Ode Marítima, o poeta-engenheiro naval Álvaro de Campos, como Pessoa se intitula ao assinar o seu longo poema sensacionista, um paquete simboliza todos os imaginários petrificados num silencioso cais: a memória, a saudade, a viagem. Ser poeta e, ao mesmo tempo, engenheiro de navios, significaria condensar numa só alma o confronto mais surdo do tempo da Grande Guerra: o combate entre um passado imaginado - a tradição - e um futuro incerto - a modernidade, a técnica e a maquinação do próprio Homem.
A vida marítima surgia a Pessoa aliás, a Álvaro de Campos como uma pedra de toque filosófica; como física e metafísica; enquanto realidade sonhada e realidade real. Ser engenheiro-naval significava, ao tempo, conjugar presente e passado, ligar a herança com o progresso, honrando a ligação umbilical de Portugal ao mar. Só um engenheiro e poeta o poderia compreender.
Não por acaso, ao inspirar-se na Ode Marítima, quase um século depois Júlio Pomar desenhou filosoficamente. De maneira mais e menos figurada, a lápis de cera e a pastel de óleo, compôs dezasseis magníficos desenhos, representando homens e navios, personagens centrais do poema pessoano e actores inevitáveis de qualquer narrativa marítima.
Ao juntar Pessoa e Pomar numa exposição temporária, o Museu Marítimo de Ílhavo pretende evitar-se como cais de pedra. Assim prossegue a ambição de preferir o questionamento e a interpelação das sensibilidades ao culto das nostalgias. O longo grito interior que a Ode Marítima encerra e a emoção estética que os desenhos de Pomar despertam são apelos fortes para novas viagens no imenso oceano da cultura marítima...."

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